terça-feira, 29 de maio de 2012

Saudade

Era verdade que havia agora na sua vida uma alegria que lhe vinha não sabia de onde, mas havia também momentos de solidão e desamparo, em que se sentia mais frágil e perdida e deixava transparecer a  tristeza que, com o tempo, fora esquecendo ou, pelo menos, tinha aprendido a dissimular.
Então, deixava que o seu coração pudesse e quisesse mais que ela, levada pelos mais doces pensamentos. Não adiantava mentir. Parecia que tinha sido tudo há muito tempo. Quanto tempo tinha passado? Já não sentia o mesmo. Na altura, tinha doído tanto!...  Ainda lhe custava, mas era diferente. O que a magoava agora era essa estranha sensação de que estavam irremediavelmente separados, o silêncio, a frieza distante que se instalara entre os dois, o modo decidido e firme como tinha saído da sua vida. De uma forma quase tão inesperada como tinha chegado. Não seria a distância, nem o tempo, que resolveriam aquela situação. No seu caso, a verdade parecia mesmo ao contrário do que era costume: quanto mais longe da vista, mais colado ao coração. Ao início acreditou que, se ele tivesse estado mais perto, talvez tudo fosse passando devagarinho. Ou talvez não. Ela acreditava que podiam continuar a fazer bem um ao outro, mesmo de outra maneira. Afinal, tanta coisa os ligava... E tinha pena de que ele não pensasse assim.
Parecia uma história muito antiga, mas os seus sentimentos tinham ainda a intensidade de uma certeza absoluta. Sabia que nunca nenhum homem, antes ou depois dele, fora capaz de provocar nela um amor como aquele. Às vezes até gostava de pensar que talvez tivesse sido para ela que Italo Calvino escrevera aquela frase linda, num livro cujo nome já não recordava: "Ela conheceu-o e conheceu-se a si mesma, porque embora sempre se tivesse conhecido, nunca pudera reconhecer-se daquela maneira."
Como é próprio dos grandes amores, o deles também tivera uma aura de conto de fadas: pensavam que estavam prometidos um ao outro desde toda a eternidade, e que ficariam juntos para sempre. Mas deixaram que a rotina do quotidiano transformasse as suas vidas em duas solidões paralelas, desencantados um do outro até ao ponto de parecer que já nada tinha remédio.
Ela revia os últimos encontros e só agora percebia que não soubera compreender e aceitar o seu lado mais misterioso, inconstante e disperso, não entendera que o quer que se tivesse passado no que havia nele de mais inatingível pertencia a esse mundo de silêncio só dele, no qual ela nunca pudera penetrar. No fundo, ela não tinha percebido que ele lhe fazia bem mesmo quando lhe fazia mal e só agora se apercebia com clareza de que a sua maior vontade era tê-lo  de novo nas pequenas e nas grandes ocasiões da sua vida. Sentia que o seu desejo estava, no entanto, um pouco desfasado da realidade, como se existisse fora do tempo certo. Parecia-lhe que gostava dele mais do que devia, mas não podia fazer nada contra isso.
Tinha uma vontade imensa de lhe contar tudo o que ia no seu coração, que lhe parecia naquele momento a coisa mais importante do mundo. Dizer-lhe que ele continuava a ser o seu sonho, a pessoa a quem, se pudesse escolher sozinha, voltaria a dar a sua vida outra vez, cansada do que entretanto experimentara e lhe soubera sempre a pouco. Um desejo como o que sentia por ele, tão físico e urgente, nunca pudera encontrar em mais ninguém.
Queria contar-lhe as vezes em que a frescura macia do lençol nas pernas lhe parecera, no calor do meio-sono, a sua pele contra a dela. E também as noites em que adormecia sonhando com os seus braços fortes e com os seus beijos quentes e molhados. Outras vezes, era um perfume que lhe trazia de novo o seu cheiro e lhe reavivava a vontade dele, do seu corpo, das suas festas, dos arrepios que aprenderam juntos.
Queria falar-lhe da saudade de como ele a agarrava e entontecia e daquele momento em que uma súbita magia a fizera ter vontade de se entregar nos seus braços sem pensar no que viria depois, sem medo e sem vergonha de nada, dando-lhe a maior e a melhor parte de si e desvendando devagar o seus mais íntimos segredos. Ou de coisas mais banais: o modo como ele pegava no cigarro ou como passava as mãos no cabelo; as pequenas coisas queridas que inventava para lhe dizer ao ouvido; a maneira como dizia o nome dela; ou o seu riso de menino, que a deixava sempre desarmada e comovida.
Sentia uma ternura muito grande tomar conta de si e então apetecia-lhe tê-lo de novo ali consigo para lhe dar um abraço, deitar a cabeça dele no seu ombro, encostar o corpo ao corpo dele, dar-lhe a mão e ficarem assim, em silêncio. E pensarem, sem o dizer, como seria bom se experimentassem ser felizes outra vez.

Sem comentários:

Enviar um comentário