terça-feira, 10 de julho de 2012

A paixão do Flamenco



Descobri tarde que dançar podia ser um enorme prazer. Tudo começou quase por uma razão cultural.
O acaso levou-me a assitir ao vivo a alguns espectáculos de sevilhanas e de flamenco e, no início, senti-me atraída pela alegria contagiante da música e das palmas, pelo rodopiar das saias e pela garra que se adivinhava nos movimentos arrebatados e no som ritmado dos pés a bater no chão. E eu, que toda a vida tinha sido muito "francesa", fui-me deixando encantar por aquela música que se entranha na alma e por  aquela entrega apaixonada, curiosa até ao ponto de querer saber mais, descobrir como se faz, experimentar. Com os espanhóis, naturalmente, porque só eles são capazes de captar, de sentir e de exteriorizar a mais funda essência do flamenco.
Foi um processo demorado e interminável,  no início uma missão praticamente impossível. Mas a dificuldade aumentou o meu interesse e tornou (me) o flamenco ainda mais aliciante.  Não sou de desistir  e costumo gostar do que é difícil,  do prazer da conquista que vai acontecendo devagar e pode saborear-se a cada nova vitória. E, porque nada é por acaso, tudo isto aconteceu na altura certa. A descoberta do flamenco modificou-me. Encontrei um equilíbrio e uma serenidade que nunca experimentara antes. Conheci um lado de mim que ainda não me fora revelado. E o flamenco tornou-se-me, assim, essencial.
Comecei tarde. Falta-me  a postura adequada, a técnica perfeita, o desempenho brilhante. Se tivesse começado muito antes talvez tivesse sido mais fácil, mas não teria tido em mim o mesmo impacto. Ter-me-iam  faltado a maturidade e a tranquilidade que vêm da experiência de vida.
Durante mais ou menos 14 anos, o flamenco ocupou um lugar importante na minha vida, não como uma mera ocupação de tempos livres, nem sequer como uma forma de expressão corporal, ou qualquer tipo de preocupação artística. Foi muito mais que isso. Trouxe à flor da pele o meu lado mais emocional, deu um ritmo  diferente à minha vida, confortou-me o espírito, apaziguou-me a alma, permitiu-me conhecer-me melhor e desinibir-me, aprendendo, muito lentamente, a soltar  o corpo e as emoções.
Por causa do flamenco, quis conhecer também a língua espanhola que até aí nunca me interessara especialmente, e descobri  uma cultura, um país e um povo com o qual me identifico na sua imensa alegria de viver, e que aprendi a apreciar, em tudo o que nos une e nos separa.
Mais do que uma arte de grande complexidade técnica e artística, o flamenco representa 14 anos da minha vida, em que aprendi muito, conheci pessoas extraordinárias e fiz grandes amizades de ambos os lados da fronteira.
O que o flamenco transporta consigo é um mundo  apaixonante  e inesgotável: continuo  a emocionar-me com a voz que vem lá do fundo, alegre ou sofrida, com a guitarra, com as palmas a compasso e os pés batendo ritmadamente no chão, com a ligação visceral à terra, e com uma  certa forma de estar na vida.
Mas agora apetece-me parar. Não é um adeus definitivo. Se calhar é  apenas um até já. É, com certeza, mais do que tudo,  a necessidade de uma pausa para respirar e perceber com clareza se o flamenco ainda continua a ser, para mim e para a minha vida, essencial e indispensável.

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