sábado, 27 de abril de 2013

Monsieur Lazhar



É um filme em francês, como eu tanto gosto, mas com aquela pronúncia um pouco estranha do Québec. Candidato do Canadá ao óscar do melhor filme estrangeiro de 2012, o filme de Philippe Falardeau tem como título o nome da personagem principal, Bachir Lazhar (Monsieur Lazhar), o imigrante argelino que vivendo, também ele, um drama pessoal, encontra vinte alunos de onze ou doze anos, aturdidos  e perplexos ante a brutalidade da morte e sem saber como lidar com a dor da perda.
A história é relativamente simples, mas o encanto e a humanidade daquelas personagens, o brilhantismo dos actores crianças, com especial destaque para Sophie Nélisse no papel de Alice, tornam o filme quase poético. É que há nele uma espontaneidade e uma doçura a que não se pode ficar indiferente.
Há algumas cenas absolutamente marcantes, inesquecíveis até, das quais destaco três: a de Alice apresentando diante da turma o seu texto  sobre a violência; a fábula da Crisálida que o professor lê na despedida; e o abraço final que dá à sua aluna preferida.
É impossível ver este filme e não se sentir tocado; mais ainda quando, como eu, se é professor. E se conhece, pelo lado de dentro, muito do que é ali retratado. Como, por exemplo, quando os pais da personagem Marie-Fréderique, olhando o professor com uma hostil desconfiança, lhe pedem que se limite a ensinar e que não queira educar a  filha. Como se fosse possível dissociar uma coisa e outra que, tantas vezes, (quase sempre) se confundem.
Eu chorei a vê-lo. Chorei muito. O filme trouxe-me à memória coisas que também vivi. Dolorosamente. Porque, na escola, os dramas individuais tornam-se também,  às vezes, dramas colectivos.
E com todas as diferenças, porque cada caso é um caso, já me aconteceu qualquer coisa de certo modo semelhante, que foi, para mim, com todos os anos que levo disto, a mais dura prova da minha vida profissional.
Sem contar toda a história, coube-me, um dia, a dolorosa tarefa de dar a notícia da morte do pai a uma menina de quinze anos. Foi há cinco anos, mais ou menos. Mas ainda hoje me emociono quando penso no meu coração apertado no momento em que a fui buscar à sala de aula. Já não sei que palavras lhe disse, lembro-me apenas, vagamente, de a ter abraçado e de termos chorado juntas, em silêncio e entre palavras gaguejadas de afecto, na tentativa vã de encontrar consolo para uma dor sem remédio. Lembro-me, também, de ter pegado na mais bonita das minhas medalhas da Virgem do Rocío (minha força e minha fé) e de lha ter oferecido como símbolo de protecção e de amparo. E depois ela não se quis ir embora, naquele estado de choque de quem se recusa a aceitar uma realidade demasiado dura; quis continuar nas aulas. E a aula a seguir era comigo. Armada em forte, perante uma turma inteira silenciosa e  em lágrimas, falei-lhes de Camões durante noventa minutos, tropeçando nas palavras muitas vezes, mas empurrando a vida para a frente, com o ar de normalidade que fui capaz de assumir na altura. Hoje, que já passou muito tempo, sinto que esta dor, que vivemos em conjunto, este momento tão marcante para todos os que o vivemos, criou entre nós uma ligação especial que há-de durar para sempre.
É deste lado humano da escola que fala também o filme. E que é, afinal, o  lado mais humano da vida.

7 comentários:

  1. Muito bonito, Isabel.

    O meu momento mais marcante foi telefonarem-me de casa, dizendo que o meu cunhado - marido da minha irmã... tinha morrido em Angola a pilotar um helicóptero. Não pude atender o telefone porque estava a dar um teste e fiquei até ao fim, aguentando a ansiedade como pude.......

    Bjo

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  2. Pois é, Isabel Mouzinho,a gente entende-se!:)
    Gosto deste género de filmes em que aborda temas de humanização, que tanta falta faz. O ano passado vi uns quantos filmes deste género, mas não em salas de cinema comerciais.Sim, na sala de espectáculos no Fórum do meu concelho...
    Não deve ser nada fácil dizer a alguém que um familiar morreu...Com certeza a sua aluna nunca mais a esquece!
    Beijinhos.

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    1. Nem eu a esqueço a ela, Madalena! Na verdade, mantemos o contacto e uma amizade linda. :)

      Beijinho

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  3. Isabel, desculpe-me a pergunta de chofre: mas por que carga de água teve de ser a Isabel a dar tamanha notícia...? Em que condições saiu a aluna da escola, uma menor. Não percebo.

    (Bela recensão cinéfila!)

    Beijinho :)

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    1. Eu era a Diretora de Turma pelo terceiro ano consecutivo e tinha uma forte ligação com aqueles alunos (que mantenho, na sua maior parte). A mãe apareceu-me na escola para ir buscar a filha e pediu-me que fosse eu a dar-lhe a notícia. Foi duro, mas não tive coragem de lhe dizer que não.

      (Obrigada, Paulo!)

      Beijinho :)

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