quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Crepúsculo



Quis-nos aos dois enlaçados
meu amor ao lusco-fusco
mas sem saber o que busco:
há poentes desolados
e o vento às vezes é brusco
nem o cheiro a maresia
a rebate nas marés
na costa de lés a lés
mais tempo nos duraria
do que a espuma a nossos pés
a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nós perdidos no meio
sem perdão e sem disfarce,
sem deixar uma pegada
por sobre a areia molhada,
a ver o dia apagar-se
e a noite feita de nada
por isso afinal não quero
ir contigo ao lusco-fusco,
meu amor, nem é sincero
fingir eu que assim te espero,
sem saber bem o que busco.
        
                  (Vasco Graça Moura,  Insinceridade )
É à hora em que a claridade diminui e o azul do dia se vai fazendo mais escuro até o negro da noite se impor, implacável e definitivo, que todos os desejos se tornam mais prementes e se anseiam novos mundos, com urgência e intensidade, na volúpia apressada que confunde os sinais, mistura de tanta coisa que de repente se quer. E tudo é  só intuição e instinto. São cheiros e sabores e peles que se tocam, é a sede dos corpos de que se sente a falta ainda antes de os ter, no sossego inquieto de uma entrega sem pressa,  de uma frase interrompida por um beijo ardente e arrebatado, que antecipa o prazer, entre vontades e medos, sobrepostos ou alternados, que a  lua testemunha e silencia. E entre o sonho e a realidade, o pensamento voa,  vacilando entre o que se quer e não quer, o que se tem e já não tem, ou não se alcançou ainda, nessa hora indistinta, entre o dia e a noite, com tantos mistérios e as mais loucas ilusões por cumprir. E, num suspiro que acalma, que dissipa a melancolia e apaga o fogo que cresce no peito, aceita-se o que a vida traz, no sobressalto curioso do que está por vir, querendo tudo e nada ao mesmo tempo, na plácida certeza de que daí a nada o dia nasce outra vez cheio de luz.
(Fotografia, magnífica, de Paulo Abreu e Lima)

4 comentários:

  1. Sinto-me um pouco tola, porque pouco ou nada se pode acrescentar depois de ler tudo isto. Foi bom ler este post. O dia hoje foi muito complicado por estes lados, e depois de dias complicados ler algo tranquilo é muito bom.

    Beijinho, Isabel, e, obrigada :)

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    1. Obrigada eu, Maria.
      Acho graça que passe a ideia da tranquilidade porque não foi bem nesse estado de espírito que o escrevi. A tranquilidade é quanto muito, o que vem depois ;)

      Beijinho

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    2. Permitam-me a intromissão, mas realmente de tranquilo o texto não tem absolutamente nada :))

      Beijinho, Isabel (bonito texto!)

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    3. Pois não, Paulo, pois não! :))

      (Obrigada! Mas a fotografia ajuda muito - a torná-lo bonito. :P)

      Beijinho, Paulo :)

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