quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Beatriz


(...)Me leva pra sempre, Beatriz,
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ah, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz (...)


Nada de bruxas, nem sustos, nem sobressaltos. Para mim, Beatriz é o nome que enche este dia. A "minha" Beatriz é quando muito uma bruxinha boa, doce e endiabrada, que faz hoje onze anos, e de quem eu gosto imensamente.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A morte e a vida



O final da tarde de ontem, é à Helena Sacadura Cabral que tenho que o agradecer. Porque foi o que ela escrevera há dias no seu blogue que me fez ir até à Universidade Católica. Para assistir ao lançamento de um livro que reúne cinco textos de Cicely Saunders, a pioneira do movimento moderno dos cuidados paliativos. Com duas aliciantes: a apresentação de Isabel Galriça Neto, que admiro muito e cujo filho, Francisco, traduz a obra (Watch with me no original) e do Padre Tolentino de Mendonça. Razões mais do que suficientes para valerem a deslocação.
Mas não só. Tal como dizia a Helena no seu post, esta é uma causa da maior importância, que nos implica a todos. Ainda bem que fui. Porque fiquei a saber mais sobre este assunto e, sobretudo, porque me emocionei com o discurso de ambos, feito com simplicidade, rigor e sentimento.
Mais do que a apresentação de um livro, aquela hora em que estivemos juntos foi uma partilha e uma reflexão conjunta sobre a vida e a morte, sobre a vulnerabilidade do fim de um caminho, visto não como uma derrota, mas como a possibilidade e o direito de viver tão intensamente quanto possível até ao fim, celebrando a vida.
Dizia o Padre Tolentino de Mendonça "Sabemos tantas coisas úteis e inúteis. E ninguém nos ensina a morrer". É que a morte é, na sociedade moderna, um tabu, uma ideia que tentamos afastar de nós, como se ao não pensar nisso evitássemos que acontecesse. E depois, o magnífico e comovente testemunho dos momentos finais de vida do seu pai, de quando lhe pegava na mão e, em passinhos muito pequeninos, o levava até a uma janela do hospital, de onde se via o mundo. Naquele altura, dizia, "ele era simultaneamente meu pai e meu filho, mas a sua mão era, e ainda é, maior que a minha".
Foi mais ou menos com estas palavras que o Padre Tolentino terminou, de uma forma que me tocou muito especialmente, talvez porque, todos os Domingos, quando estou com a minha mãe, é também um pouco isso que sinto; quando lhe pego na mão e esse contacto silencioso com a mão que me ensinou a vida diz tanto do que não chega às palavras; e é uma forma de a amparar e de enfrentar a morte. E de a encarar com a maior naturalidade de que sou (somos) capaz(es). Ontem, tomei consciência do que de certo modo já sentia no coração: que aceitar a morte, por mais difícil que seja, é também aprender muito acerca da vida.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Mudar de hora


 Gosto da alternância das estações, dos dias compridos e claros a que se sucedem outros muito mais curtos e sombrios, da chuva que vem depois do sol, da aragem ora branda ora cortante das manhãs e fins de tarde, do calor e do frio, comedidos. E dessa variedade da vida, que se vai modificando lentamente e nos permite ir sendo os mesmos e outros, na discreta evanescência do tempo.
É quando se atrasa ou adianta uma hora que sinto com mais força a mudança de estação, como se esses sessenta minutos a menos, ou a mais, fizessem toda a diferença.
Este fim de semana troquei as roupas de Verão pelas de Inverno, provei a primeira marmelada do ano e, na luz dos dias a escurecer cada vez mais cedo, na brisa fresca a requerer conforto, afago e agasalho, intensificou-se o desejo de me abrigar no teu colo e de ver-te abrir os braços fortes e bons para caber inteira dentro deles e me levarem assim, em doce aconchego, suavemente, pelo Outono fora.
(Fotografia de José Manuel Durão, retirada daqui)

domingo, 27 de outubro de 2013

Um dia (quase) perfeito

 
Foi um dia  tranquilo, cheio de sol e de luz, um daqueles lindos dias de Outono em que é impossível não sentir que a vida é maravilhosa.
Ao fim do dia, a notícia da morte de Lou Reed. A música e o mundo ficam, a partir de hoje, um pouco mais pobres. Não fora isso, teria sido um dia perfeito.

sábado, 26 de outubro de 2013

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Acalento


Até nos dias mais cinzentos e nos momentos de maior desalento e tristeza, há sempre um vislumbre, qualquer coisa simples, bela, ou enternecedora, que surge de repente e suaviza, e consola, como um bálsamo que alivia mágoas e que volta a pôr tudo no lugar, ou a clara revelação de que o que verdadeiramente importa é muito maior e mais sublime que as pequenas agruras e inquietudes que, tantas vezes, deixamos que nos perturbem o quotidiano.
(Fotografia do Blogue Pé-de-Meia, de mfc)

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Chungaria


Empregando um termo da moda, do qual não gosto nada, o baixo nível e a ausência de sentido de adequação da linguagem ao contexto em que é utilizada tem vindo a assumir contornos "virais" na sociedade em geral, desenvolvendo-se de forma exponencial nos meios políticos. Do Catroga, ao "que se lixem as eleições", dos insultos de um ex-presidente à linguagem inqualificável utilizada por "aquele que nós sabemos" numa entrevista publicada num conceituado Semanário, é a grosseria que se vulgariza e alastra, sem que ninguém (e em particular os seus autores) pareça envergonhar-se. Com excepções, naturalmente.
Enfim, num país onde impera o mau gosto e a insensatez, e onde a decência parece cada vez mais fora de uso, resta-nos, como dizia há dias Nelson Reprezas no seu blogue a consolação de a vida manter coisas boas e gente feliz. Ao menos isso!...

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Segredo dos Seus Olhos


Delito de Opinião é o único blogue colectivo que eu leio e é também um dos meus preferidos, como já disse aqui muitas vezes. Gosto, sobretudo, da diversidade de temas, de opiniões e de estilos que nele encontro, embora não goste nem concorde com tudo. E ainda bem!
Hoje, de novo, um texto de Pedro Correia com o qual me identifico completamente.
Só vi este filme uma vez. Mas marcou-me tanto que posso dizer sem hesitar que é um dos filmes da minha vida. E porque este é o texto mais bonito que já li sobre ele e porque o Pedro diz melhor que eu o que também sinto, como isto, por exemplo, (detemo-nos em quê quando as palavras desmentem o olhar?), aqui ficam as suas palavras sobre esta obra-prima  muitíssimo recomendável. É um filme  obrigatório...

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS: VER PARA CRER
 
«Se de noite chorares pelo sol não verás as estrelas.»
Tagore
 
Um crime chocante permanece impune durante um quarto de século. Não será nenhum prodigioso detective nem nenhum superjuiz a solucioná-lo, muito depois de o processo ter prescrito, mas um banalíssimo funcionário judicial de Buenos Aires. Que, ao desvendar a autoria e o móbil daquela violação seguida de homicídio, decifra ao mesmo tempo um enigma que lhe toldou os melhores anos da existência.
Ele, que tão bem soube interpretar o significado de um olhar perturbado numa velha fotografia, funcionando como chave daquele crime, fora incapaz de perceber que noutro par de olhos, em nada relacionado com o primeiro, estava afinal o grande amor da sua vida. Um amor talvez correspondido, ao contrário do que ele sempre imaginara, tolhido pela sua eterna insegurança e por uma infindável teia de convenções sociais.
 
Há filmes que nos conquistam pelo inesperado. Aconteceu-me com este. O Segredo dos Seus Olhos, produção hispano-argentina de 2009 que viria a receber o Óscar de melhor filme estrangeiro (isto é, de língua não inglesa) no ano seguinte, cruza de forma brilhante as convenções da ficção cinematográfica, transcendendo-as. Tem algo de filme negro, tem algo de Casablanca, tem algo do cinema político dos anos 60 e 70 cultivado por cineastas tão diferentes como Alan Pakula e Costa-Gavras. Mas não se confina às fronteiras de nenhum género.
Mais do que um policial com um enredo capaz de nos prender do princípio ao fim. Mais do que uma viagem a um tempo de trevas políticas na Argentina, capaz de se infiltrar nas ínfimas minudências de um quotidiano sem esperança. Mais do que um comovente romance, capaz de aproveitar todas as regras clássicas do melodrama para lhes dar novo fôlego e novas asas. Uma obra-prima, sem dúvida.
É um enredo que se desenrola noutro continente e noutro hemisfério, distantes dos nossos. Mas podia passar-se aqui, podia repetir-se aqui, este Benjamín Esposito de barba e gabardina (numa interpretação superlativa de Ricardo Darín) podia ser um de nós, esta Irene Menéndez Hastings, magistrada do Ministério Público, podia habitar no prédio onde vivemos. Porque não existe linguagem mais universal do que a do cinema.
 
Esta belíssima longa-metragem do argentino Juan José Campanella -- baseada no romance La Pregunta de Sus Ojos, de Eduardo Sacheri, co-autor de um "extraordinário guião sem nenhuma fissura", como bem sublinhou Carlos Boyero no El País -- tem, desde logo, o mérito de ser muito bem escrita. O que se detecta de imediato nas palavras de abertura: "O dia 21 de Junho de 1974 foi o último em que Ricardo Morales tomou o pequeno-almoço com Liliana Colotto. Lembrar-se-ia de cada pormenor dessa manhã até ao fim da vida."
Com apenas 23 anos, recém-casada, esta atraente professora foi assassinada da forma mais bárbara. Benjamín, chamado ao local do crime, jamais esquecerá as imagens daquele corpo trucidado por uma torrente de ódio. A morte dela mudaria para sempre várias vidas. Como só muito tarde saberemos, como só demasiado tarde saberão alguns dos envolvidos. Oficialmente, tudo ficará por esclarecer. Porque há verdades que a justiça deliberadamente ignora.
Mas, mesmo quando todas as bocas se silenciam, "os olhos falam".
Ensina-nos Benjamín, comunicando com a máscara aparentemente imperturbável de Irene, sussurrando para o mais fundo de si próprio neste filme onde os diálogos se abeiram da perfeição.
Algum dia se reencontrarão antes que sobre eles se abata aquilo que há de irreversível no crepúsculo de cada destino humano?
 

 Ele, a partir de certa altura, gasta o melhor do seu tempo a mirar para trás, como se ainda redigisse autos de inquérito na decrépita Olivetti que havia perdido a letra A.
Ela atira-lhe sem rodeios, "fingindo completamente", como Fernando Pessoa tão bem fixou: "Toda a minha vida olhei em frente. Para trás não sei olhar: não é a minha jurisdição, declaro-me incompetente."
Detemo-nos em quê quando as palavras desmentem o olhar?
Esta é a história de um amor impossível. A história de um desencontro. A história de uma fotografia. A história de um crime que permanece sem castigo -- ou pelo menos assim o imaginamos. A história de instantes irrepetíveis, capazes de mudar uma vida, qualquer vida, a minha, a tua, a daquela mulher que decide correr no último momento na plataforma da estação ferroviária, a daquele homem que a contempla a uma distância crescente do interior da carruagem.
Vi várias cenas destas no cinema -- O Segredo dos Seus Olhos é uma das mais recentes de uma nobre, vasta e fascinante linhagem de filmes com momentos decisivos passados em comboios (aqui fica a sugestão de um ciclo temático para a Cinemateca de Lisboa).
 
Por vezes só um desencontro permite reencontrar-nos connosco próprios. E decifrar todos os enigmas, não da tela mas da vida. Vendo uma velha fotografia, desvendando o véu da esfinge que se abriga na memória de um olhar.
E podemos então interrogar-nos, à semelhança do que ele disse enfim para ela: "Como se pode viver uma vida vazia? Como se pode viver uma vida cheia de nada?"
Com o comboio a acelerar, o contorno das figuras diminuindo na razão inversa do aumento da distância, uma existência em fragmentos prestes a dissolver-se no horizonte.

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sentimento(s) de Posse



http://www.youtube.com/watch?v=ybXwVObeDTY

Ainda que a vida nos vá ensinando que nunca nada é garantido nem pode ter-se como certo, e que ninguém é de ninguém, subsiste muito, mesmo entre "gente crescida", a ideia de que quem amamos nos pertence.
Não são apenas os casos extremos, de contornos patológicos, mas uma tentação mais ou menos difusa e quase inconsciente de, na insensatez de um querer desmedido, tentar  segurar o que se sabe que pode  a cada momento fugir-nos por entre  os dedos, em pequenos sinais reveladores que procuram restringir a liberdade de escolha, limitar a acção e reduzir vontades, ao ver em cada palavra, em cada gesto, em cada sorriso, em cada olhar de quem quer que se aproxime, por mais inocente e desinteressado que seja, uma ameaça velada ou um perigo iminente, que desencadeia uma suspeita a crescer desalmada, a qual se manifesta depois nas mais variadas, absurdas e por vezes até ridículas ostentações de posse, que não são mais do que aquela desesperada "afirmação de um direito de propriedade" de que fala Vergílio Ferreira, por exemplo, e que, na realidade, não existe.
Quem vive o amor assim, vive-o mais centrado no eu que no outro quando, afinal, mesmo numa grande paixão, não vale tudo. Na verdade, as pessoas mais possessivas e controladoras, que vivem atormentadas na ânsia de preservar o que julgam pertencer-lhes, acabam por ser, não raras vezes, as que são mais "enganadas". Porque esquecem o essencial: que o amor é o desejo genuíno de duas vontades em sintonia.
É legítimo, claro e humano, até, o medo de perder quem se ama,  ou a vontade de eternizar o abraço de uns braços que amparam e confortam e nos quais sabe tão bem abandonar-se. E deixar-se levar ao paraíso. Mas amar é muito melhor que segurar à força, é ir e voltar, agarrar e deixar partir. É ter o mundo inteiro à espera  e escolher ficar. E querer demorar-se. E é, também, uma lenta e às vezes dolorosa aprendizagem da generosidade. De aceitar o outro como ele é, de saber que não nos pertence e de o deixar ir, livremente. O que é bonito no amor é saber que quem nos rouba o coração pode a qualquer momento deixá-lo cair pelo caminho. E dar, dar, dar, sem perguntar porquê e sem querer  saber de mais nada, nem sequer do que está por vir. E deixar-se ir, esquecendo  as dúvidas e os medos. E acreditar. Porque acreditar é uma das melhores e maiores provas de amor.

domingo, 20 de outubro de 2013

Prazer(es)



Muito antes de o brunch ser uma moda urbano-chic, já eu me entregava com fervorosa devoção aos pequenos-almoços tardios, em fins de semana de preguiça, sobretudo no Outono e no Inverno. Em casa, claro.
Continua a ser um dos meus grandes prazeres: dormir pela manhã fora até  esgotar o sono,  acordar para um longo e delicioso pequeno-almoço, fazer tudo muito devagar e deleitar-me com todos os sabores, gestos lentos e paladar apurado,  apreciando a tranquilidade e a leveza dos momentos vividos assim, sem pressa nem horas marcadas, embalada por silêncios, vozes baixas, música suave. Tão bom!...

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Descansar



Há, às vezes, os dias em que me apetece parar o tempo, esquecer a crise e os cortes e a política e o dinheiro e tudo o que aflige e amargura a realidade quotidiana. E deixar-me ficar imóvel, calada e quieta, de olhar perdido e pensamento muito longe, num doce sossego que me enche de paz. E, por instantes, dedicar-me só à contemplação, sem pensar em nada, ou em puro lirismo sonhador, entre anseios e saudades, recordações que não se apagam e horas que passam devagar. Porque a vida também é isto!...
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Os "especialistas" em indisciplina



Ainda a propósito do episódio do esfaqueamento de há três dias numa Escola Secundária em Massamá, que a comunicação social insiste em referir como "inédito", aparecem logo os "especialistas". Que dizem as coisas mais fantásticas. Alguns exemplos: "Só a forma como se entra na sala de aula pode mudar a atitude dos alunos"; ou " (...) aponta como problema ao combate da indisciplina o facto de os professores não conversarem com os outros para encontrar uma solução". E vá de fazer uma conferência sobre o tema, cheia de especialistas que, se calhar, nunca tiveram uma turma indisciplinada à sua frente. E, conhecendo o assunto apenas em teoria, estão cheios de soluções "na manga". Que faziam e aconteciam. Para este iluminado que era hoje entrevistado pelo DN, por exemplo, a solução seria qualquer coisa deste tipo: "A escola podia ter um ou dois professores ou um psicólogo que assistisse às aulas e ajudasse a reorganizar a sala de aula e a interacção do grupo, de forma a minimizar a indisciplina."
Eu leio isto e só posso desatar a rir. Porque este "especialista" não deve entrar numa escola desde que acabou o liceu e não faz a mínima ideia do que é uma escola, hoje. Eu, que não me intitulo "especialista", conheço muito bem esta realidade. Por dentro e por fora. E sei que, infelizmente, o que pode haver de inédito aqui é o planeamento de "um massacre", indiciador de problemas vários que serão, eventualmente, também do foro psiquiátrico. Porque cenas de violência física, psicológica e verbal, incluindo facas e afins, até, são muito mais comuns do que a generalidade das pessoas pode sequer imaginar e fazem parte do dia-a-dia da maior parte das escolas. De vez em quando há uma ou outra que chega à comunicação social. Lembro-me daquele episódio de há meia dúzia de anos, com um telemóvel. Sempre referidos como casos "isolados." Porém, quem conhece bem esta realidade sabe tão bem como eu que não é nada disso.
Acho, por isso, muita graça a estes especialistas de pacotilha que vão do alto da suas cátedras lançando as mais absurdas pérolas sobre o(s) assunto(s) da sua "investigação". Por mim, retirava-os durante um mês das suas universidades (do Minho, ou outras) e entregava-lhes uma turma CEF, daquelas mesmo "da pesada". Só para verificar se, passando da teoria à vivência real e quotidiana da questão, mudavam ou não de ideias...

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Modas



Adorava saber quem foi o(a) iluminado(a) que inventou a moda do trabalho em open space. Mas pior do que o conceito em si que, como tudo, terá vantagens e desvantagens, o que é mesmo mau é aplicá-lo indiscriminadamente, só "porque sim". Porque é muito cool e moderno e, quanto mais não seja, dá "para maior convívio". E não é isso que "a malta" quer, numa espécie de prolongamento da indisciplina, ou do recreio do tempo de escola?
Detesto estas modas que pegam não se sabe como nem porquê, sem qualquer razão válida que as justifique. Admito que, quando o trabalho se faz realmente em equipa, possa ser benéfica a ocupação do mesmo espaço. No entanto, na maior parte dos casos, mesmo o que é suposto ser uma equipa, na realidade não é assim que funciona, porque cada um tem as suas atribuições e não faz a miníma ideia do trabalho dos outros. Nem quer, muitas vezes. Para se sentir imprescindível. Insubstituível, até.
E depois, a maioria das pessoas não tem a noção do que é partilhar uma sala com várias outras e continua a agir como se não houvesse ali mais ninguém.
Assim, há os que se põem a cantarolar como se estivessem na banheira lá de casa, os que trazem os CDs e os põem a tocar, obrigando os outros todos a ouvir a "sua" música, a menos que se socorram dos seus próprios auscultadores para ouvir outra coisa qualquer; os que abrem e fecham janelas e ligam ou desligam ares condicionados em função dos calores repentinos que os(as) assolam, ou de arrepios momentâneos, sem perguntar nada a ninguém; e os que fazem verdadeiros picnics em cima das suas mesas de trabalho, às mais improváveis horas do dia, e com toda a espécie de ruídos inerentes. Há os que se metem malcriadamente em todas as conversas, mesmo aquelas para as quais "não foram chamados", de preferência interrompendo quem está a falar, porque sabem sempre tudo. E há ainda os que descarregam os maus humores e a fúria (sabe-se lá com quê, ou com quem) no "equipamento", vingando-se nas teclas do computador. E os profissionais do telefone; os que levam o dia todo a fazer e a receber chamadas e, quando há várias pessoas ao telefone ao mesmo tempo, tentam sobrepor a sua voz às demais e gritam consoante a distância a que se situa o seu interlocutor, ou como se cada um deles fosse um potencial cliente da casa "Sonotone".
O magnífico open space ("tão lindo estarmos todos juntos!...") é, pois, um mundo de ruídos, egos empolados e idiossincrasias várias, uma atordoadora Babel, onde o silêncio e a concentração se tornam quase uma miragem, mesmo para quem possui grande poder de alheamento e espírito zen.
Ter um gabinete só para mim é um sonho que, provavelmente, (e a não ser lá em casa), não vou realizar nunca. Mas já me dava por satisfeita se pudesse voltar de novo a uma sala onde estivessem, no máximo, duas pessoas além de mim. E tenho a certeza absoluta de que o trabalho correria bem melhor.
Enfim, parafraseando Sartre, dir-se-ia que, tal como no seu Huis Clos: l'enfer, c'est les autres.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Austeridade, ou a pescadinha de rabo na boca



Não percebo nada de economia. Limito-me a ver, a ouvir e a ler, porque me interessa o que se passa à minha volta e mais ainda quando me diz respeito.
A mim também me custa muito esta austeridade, que sinto na pele e na vida todos os dias, como tantos portugueses, quase todos, embora, seguramente, uns mais que outros.
Hoje, li no DN um artigo de opinião de João César das Neves que me pareceu claro e que me fez sentido. Transcrevo apenas um excerto. O artigo inteiro pode ler-se aqui. 

Dizem por aí que não há alternativa à austeridade (...) Na economia, como na vida, existem sempre alternativas. (...) A dificuldade não está em achar outros caminhos; o que é raro é que sejam melhores do que os que temos. Aí, dizem os críticos, a resposta é óbvia: dado este ser tão mau, qualquer outro é preferível. Mas afirmar isto é mostrar a própria ignorância. Porque, se não há soluções sem alternativa, em muitas circunstâncias más é habitual todas as variantes serem piores (...). Quem fala em soluções milagrosas, e alguns desses detinham o poder nos anos de delírio, só o faz porque oculta cuidadosamente os contornos da situação, acenando com hipóteses fabulosas. Aliás, em geral nem as soluções míticas se dignam apresentar. A verdade é que a maioria dos que repudiam a via que trilhamos acha que a sua justa fúria os dispensa de apresentar alternativas. Domina a ideia de "a troika que se lixe e depois logo se vê". Atitude bem portuguesa, que nos trouxe à crise.

Sabores do Outono



É tão forte o ímpeto visual do Outono, tão imponente e avassalador, que quase se sobrepõe aos outros sentidos. São os dias mais curtos e cinzentos, as noites que se vão demorando mais e mais, e a beleza nostálgica das folhas que enchem de tons dourados todos os caminhos, numa visão poética que convida à fantasia.
Mas o Outono são também cheiros e sabores. É a terra ainda quente, molhada depois da primeira chuva, e as castanhas assadas, ícone maior desta estação, colada a ela no nosso imaginário como a pele se agarra ao corpo.
Gosto do cheiro das castanhas, mas não do sabor. Porque a mim, o Outono sabe-me a tangerinas. E a nozes. E a marmelada. E a chá, ou chocolate quente, a torradas e a lanchinhos enroscados no sofá, à frente da lareira, entre aconchegos e afagos, enquanto lá fora o ar se faz mais fresco e a chuva cai de mansinho, salpicando os vidros.

sábado, 12 de outubro de 2013

O Dia de Espanha

 
Numa tarde quase inteiramente dedicada às letras francesas (e portuguesas), lembrei-me de repente que 12 de Outubro é o dia da festa nacional em Espanha.
Conhecido como o dia da Hispanidad, nele se comemora a data em que, em 1492, Cristóvão Colombo chegou à América e, com isso, o símbolo do encontro entre dois mundos.
É um país de que eu gosto muito, na sua imensa diversidade. E que está muito para lá dos tópicos habituais, das castanholas, dos touros e das tapas.
Tenho com Espanha uma relação toda especial, identifico-me com aquele sentido permanente de festa, com o colorido forte e a alegria de viver de um povo que consegue olhar para a vida de uma maneira positiva, tão diferente da habitual melancolia e fatalismo portugueses.
E se França é de, certo modo, "o amor da minha vida", o que me liga a Espanha é  muito mais recente e é como uma insensata e louca paixão com uma forte componente física, no seu sentido mais carnal, lascivo e todo feito de emoção pura. Inexplicável, também...
Por isso, hoje, o meu coração junta-se à festa espanhola. Olé tú!


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Festas



Para quem, como eu, gosta muito de cinema e tem uma predilecção especial pelo cinema francês, os próximos dez dias estão cheios de novidades.
Começa hoje e dura até ao dia vinte a Festa do Cinema Francês, que o Institut Français du Portugal (onde eu fui aluna, embora na altura fosse noutro local e tivesse outro nome) organiza há 14 anos. A festa, que decorre em Lisboa e em mais seis cidades portuguesas, inclui uma série de iniciativas que estão para além da simples projecção de um leque variado de filmes e que incluem a presença de actores, realizadores e argumentistas, e até um concerto de Agnès Jaoui, no Lux.
Nas salas do cinema São Jorge, na Cinemateca e no próprio Institut Français vamos poder ver em antestreia, por exemplo, o último filme de François Ozon, Jeune et Jolie; a cópia restaurada de Iroshima, mon Amour de Alain Resnais, um clássico, ou Les 400 coups de François Truffaut, considerado um dos mais emblemáticos filmes da Nouvelle Vague. Mas também retrospectivas e ciclos, como Paris no cinema ou Cinema e Literatura. E filmes de animação. E muito mais...
Embora não tenha nada a ver, também o bairro de Alvalade, onde passo o dia inteiro, está hoje em festa, com a reabertura do velho Centro Comercial, inteiramente renovado. Não sou muito de Centros Comerciais, exceptuando o Amoreiras e o Corte Inglés. E este é um dos poucos bairros que conserva o comércio tradicional bem vivo, com lojas de tudo e mais alguma coisa. Ainda assim, a reabertura do Centro traz mais vida a esta Praça. E isso é sempre positivo.
E como se tudo isto não bastasse, amanhã faz anos uma das minhas melhores amigas, a Margarida, de quem já falei aqui.
Vamos lá festejar!...

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Consensos


Apesar de os gostos variarem muito consoante as pessoas, há diferenças de género que fazem com que muitos homens considerem sexy mulheres a que as outras mulheres não conseguem achar gracinha nenhuma.
Tomemos como exemplo Juliette Binoche. No meu círculo de conhecimentos há um grande número de homens que a acham interessantíssima. Não entendo. Para mim, embora reconhecendo-lhe algum talento para a representação, tem aquele ar sonso de "pãozinho sem sal" que, além de profundamente irritante, não me parece nada sedutor. Não tem sequer aquele "não sei quê" que dá classe a uma mulher, mesmo quando não se é linda de morrer.
Não é, porém, o caso de Scarlett Johansson, eleita recentemente pelos leitores da revista Esquire como a mais sexy do mundo. De resto, terá sido a única que recebeu pela segunda vez esta distinção. E, neste caso sim, percebe-se porquê. Porque Scarlett Johansson enche o écran com a sua voluptuosa beleza, que alia sensualidade, charme e mistério, tornando inesquecível a sua presença em Lost in Translation, Match Point ou Vicky Cristina Barcelona, para referir apenas alguns exemplos.
É um caso tão óbvio que me parece impossível, mesmo para uma mulher, não entender a unanimidade que gera.
Quem diria que somos do mesmo tamanho... Mas essa será, talvez, além do género, a única característica que temos em comum. Bom, é certo que nem toda a gente pode ser uma Scarlett Johansson, mas - e agora falo apenas por mim - terei outros encantos...(secretos, claro está!)

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Vida

 

http://www.youtube.com/watch?v=6sLDf3ZpJEw

(...)
Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais
                    Chico Buarque

Há muitos dias assim, em que encontro nas palavras dos outros uma parte do que eu só sei sentir.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Da arte e da literatura



Estas últimas tardes de Sábado consagradas à  literatura têm sido maravilhosas e têm representado o reencontro com uma paixão antiga, que sempre me acompanhou, - ainda que às vezes pareça um pouco mais adormecida, - o regresso a um tempo antigo de pensar em todas estas coisas, e voltar aos clássicos, e deliciar-me a ler  devagar, deixando que a palavra lida amadureça em mim, como uma desaceleração da correria habitual da vida. E perceber a que ponto as palavras podem ser apaixonantes. E encontrar nelas o que sinto, o que me emociona e seduz, mas não saberia dizer assim.

Justamente porque a literatura se funda genericamente na ideia, ela é a mais ameaçada das formas de arte, (...) ou a mais equívoca.  Porque (...) a forma de arte não discursiva permanece intacta ao nosso nomear. A literatura, porém, é nesse nomear que começa. Na relação da emoção com a palavra que a diz, o seu movimento é inverso do que acontece com a música ou a pintura. A emoção de um quadro resolve-se numa palavra terminal. Mas na literatura parte-se dessa palavra para chegar à emoção.
(Vergílio Ferreira, Arte Tempo)

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Segredo




Os dias sucediam-se desiguais, entre sossegos e inquietações, sobressaltos e rotinas, ora deixando o tempo fluir sem querer nada que não fosse a liberdade de poder ceder à vontade mais imediata, ora entregando-se ao prazer das horas em que lhe bastava tê-lo perto para lhe parecer que aquele amor haveria de poder resistir a tudo, nos dias em que o seu cheiro e a sua presença lhe faziam crer que tudo estava certo e lhe tomavam conta da vida e lhe voltavam a despertar desejos ocultos que julgava adormecidos no fundo de si, desgastados pelo quotidiano, mas que ainda se reacendiam às vezes, quando ele a olhava com os olhos meigos que só têm os amantes secretos, ou quando ria com o seu riso de menino, que sempre a desarmava e enternecia.
E então tudo lhe fazia sentido de novo; e parecia que as estações e os anos não haviam passado e que o mundo continuava a ser só eles os dois e aquele amor discreto, independente e desmesurado, que mais ninguém conhecia pelo lado de dentro, no arrepio da pele, na sensualidade do toque e no coração a bater descontrolado, nos gestos ardentes, nas horas tempestuosas e serenas de entrega total, paixões à solta e corpos confundidos, sem pudores nem moralismos, no desnorteamento de quem procura através de todos os sentidos conhecer o mapa que indica o caminho do paraíso.
E queria agarrá-lo e apertá-lo contra o peito, cedendo à saudade de só se deixar ir, rendida ao calor daqueles braços bons, dos beijos demorados e intensos, pensando que há amores que são da vida toda e que quando é a sério cabe tudo dentro deles: o amor e a dor, o medo e o prazer, a paz da intimidade e o silêncio de quem se entende só pelos olhos.
O que havia entre eles era uma vida inteira. Eram todos os beijos e todas as lágrimas, os sorrisos e os sonhos que tinham sonhado juntos, os projectos e as promessas, as incertezas e as ausências, os desejos e os desencontros. E os caprichos satisfeitos apenas porque sim. E as palavras, e a força, e o aconchego, e os mimos. E tudo o que só se consegue sentir e se toma nos braços, e se embala devagar, e se quer levar pela vida fora.
Depois passava um avião que a despertava do torpor ainda ensonado que a transportava para longe, virada para dentro do coração, enquanto olhava desatenta o azul do dia a clarear.
E sorria, a pensar que o que quer que fosse a sua vida daí em diante, sempre tão cheia de surpresa e novidade, a felicidade era também o muito e o pouco daquela história bonita, triste, enternecedora e verdadeira, que a marcaria para sempre, como um nó muito apertado, que nunca se desfaz.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Como um poema


(Une photo est surprenante lorsque l'on ne sait pas pourquoi elle a été prise  - Roland Barthes)
                                                                                                                      
A propósito do que tenho andado a ouvir ultimamente sobre a literatura, e sobre o romance em particular, pus-me a pensar no que aproxima a escrita e a fotografia, duas coisas de que tanto gosto, embora numa como noutra me situe, por respeito e sensatez, sobretudo do lado da recepção. 
Dir-se-ia que o romance está mais próximo do cinema e a poesia da fotografia, pois se é verdade que quando leio um romance consigo "ver" aquilo de que se fala, imaginá-lo e  vivê-lo dentro da minha cabeça, porque a literatura tem essa capacidade de, através da linguagem, construir um sistema de representação do mundo que, de repente,  se me põe diante dos olhos e, tal como no cinema, há "imagens que passam no meu écran interior", que me transportam para um outro tempo e me fazem conhecer novas realidades, a poesia capta muito mais o instante e, nesse sentido, também a fotografia é  a tentativa de apreender a realidade, de a deter na sua temporalidade evanescente. E a escolha de um determinado ângulo, luz, aproximação, implica um arrebatamento individual que exprime um rasgo emotivo e traduz um estado de alma, uma experiência pessoal, um momento único, irrepetível, cuja efemeridade se quer contrariar e fazer perdurar.
Há, de facto, certas fotografias que nos emocionam como um poema e isso virá talvez da sua dimensão artística, capaz de  tocar o que há de mais fundo e indizível em nós.  Tal como na leitura, quem vê uma fotografia  acrescenta-lhe alguma coisa que tem a ver com o seu sentimento e sensibilidade, numa relação de afecto que é sempre, também, uma escolha emocionada. 
Vejamos este exemplo: já não sei quantas veze vi a Place des Vosges, que é de resto um dos meus lugares preferidos de Paris. E, no entanto, nunca a pude ver assim, como a vejo aqui, através de outros olhos, na singularidade deste instante que uma outra sensibilidade, que me é alheia, captou desta maneira. Neste caso pouco me interessa que esta praça seja a antiga Place Royale, ou a sua história e demais detalhes. Ou o que sentiu e viveu quem fotografou este momento, neste dia e hora, que eu não sei qual é. Nem importa. Porque é a sua harmonia e placidez que retenho. E a paz que me transmite. E o que isso acrescenta ao que este lugar é para mim. E então é como se me visse ali outra vez, maravilhada pelas mil e uma coisas que eu sei e as que a imagem me traz de novo e engrandece, numa mistura perfeita de ilusão e realidade que quase me permite sentir a frescura macia da relva e a luz cálida do sol. 
É ou não é magnífica a magia que nos leva a essa espécie de paraíso onde os nossos olhos se demoram e o tempo se suspende, com tudo o  que há nisto de único e de original, uma construção que não é a vida, não é a realidade, mas se apoia nela e a interpreta de um modo peculiar, no permanente dinamismo entre produção e recepção que é também essa ambiguidade onde todos os entendimentos e todos os sonhos são possíveis?
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Dia Mundial da Música



Não gosto dos dias mundiais disto e daquilo, mas a música é suficientemente importante na minha vida para abrir uma excepção. Porque não poderia viver sem música, nem sem amor, que é o mais importante de tudo. E porque há nela uma dimensão de sonho e de ilusão, que é emoção pura, e sentimento; e é o que nos enche a alma quando as palavras não chegam.


(E, já agora, aqui fica uma das minhas últimas descobertas.)