sábado, 31 de maio de 2014

Histórias e memórias de "O Independente"

 
A Vida Portuguesa anunciara o encerramento do mês dedicado a MEC, a propósito do lançamento do seu último livro, com um encontro muito promissor: uma conversa entre Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas, vinte  e seis anos depois da aventura jornalística que fizera de O Independente um projecto único, importante e memorável
Não podia faltar. Gosto muito de pessoas inteligentes. Gosto de um modo muito especial do Miguel e do Paulo, cada um à sua maneira, porque são na verdade muito diferentes também. E depois, para quem é mais ou menos da minha geração, O Independente foi um marco, um espécie de "pedrada no charco". Porque nos identificávamos com aquela irreverência, porque estava muito mais perto de nós, e porque foi com ele, mais do que com o Expresso, que crescemos.
Tinha, como diziam hoje o Miguel e o Paulo, óptimos profissionais, um cuidado extremo com o grafismo, a fotografia e a qualidade do papel, um conceito editorial inspirado no Libération, e um distanciamento do poder que faziam a diferença. O caderno 3 de O Independente foi, naqueles anos, uma referência cultural de relevo.
Mais do que um fim de tarde fantástico e divertido, foi um privilégio para mim e para os que como eu (e eramos muitos) estiveram no número vinte e três do Largo do Intendente, naquele espaço lindíssimo, que alia a tradição e o bom gosto, poder ouvir os fundadores do jornal a falar dele pela primeira vez em público, com sentido de humor e sem qualquer tipo de nostalgia,  no tom descontraído de quem está entre "velhos" amigos, relembrar o arrojo e a coragem com que levaram para a frente aquela ideia inovadora, que apenas é possível quando se tem vinte anos e a vontade de mudar o mundo, mesmo reconhecendo os erros cometidos, analisados com a distância que só o passar do tempo e a maturidade permitem.
O Independente durou dezoito anos, um número icónico, como disse o Paulo. Durou "o tempo que tinha que durar" mas, sem dúvida alguma, mudou o mercado editorial, o jornalismo e a sociedade portuguesa. E por isso não se esquece.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Uma grande espiga!

 
Mesmo se a Primavera nos troca as voltas a toda a hora, se defrauda expectativas e nos dá chuva quando pedimos o sol, e vento agreste em vez de dias cálidos e tardes amenas, a verdade é que já passaram quarenta dias desde a Páscoa, e chegámos hoje à Ascensão, que é também o dia da Espiga, nessa associação de sagrado e profano, ou religioso e pagão, de que eu tanto gosto.
O tempo, já se sabe,  serve sempre de assunto de conversa, em queixas sucessivas, transbordantes de decepção e contrariedade. Uma fatalidade mais, os caprichos e inconstâncias do tempo... A juntar a tantas outras: a crise e a UE, o Costa e o Seguro, o IVA e os cortes, o Tribunal Constitucional, e sei lá que mais. No fim, o típico encolher de ombros e o inevitável: "É a vida..."
Mas hoje, esqueçamos um pouco tudo isso, peguemos no ramo que se quer grande e colorido, feito de malmequer, papoila, oliveira, videira, alecrim e espiga de trigo, símbolos do pão, do ouro, do amor, da paz, da saúde e da alegria, e concentremo-nos no apelo telúrico da renovação da vida, que é sempre, no fundo, tão bonita e tão boa de festejar...

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Por amor

 
A CML inaugurou esta semana, junto ao rio, um monumento de homenagem à memória de Maria José Nogueira Pinto, para quem a política era, nas suas próprias palavras, o amor da cidade e do seu bem.  Durante a cerimónia foi lido um texto  absolutamente tocante, do qual não resisto a transcrever aqui as que são para mim as passagens mais significativas, sobretudo numa época em que a política se faz de um desfile de egos exacerbados e de guerrinhas de personalidades, em ambição desmedida.
(...)
Sempre acreditei que os bons exemplos, sobretudo em tempo e lugar em que não são frequentes, devem ser referidos e explicados, na esperança de que tenham seguidores. E no caso da Zezinha estamos perante um exemplo de amor à comunidade e de paixão pelo bem público.
Por isso, e só por isso, venci a natural reserva e pudor de falar, em público, de uma pessoa com quem partilhei, durante quarenta anos, a intimidade e o melhor e o mais difícil da vida.
Quero, desde já, agradecer o lugar escolhido para este memorial: este canto de Jardim, entre duas praças emblemáticas da cidade, com esta janela voltada ao Tejo, na Ribeira das Naus, em frente ao Arsenal da Marinha, uma espécie de casa aberta ao rio, aos céu e aos outros, uma casa que convida quem chega a sentar-se, uma casa sempre incompleta onde parte da obra é feita e o resto é com Deus e com os que vêm depois.
O Tejo é rio de muitas aldeias: o rio da Aventura portuguesa, da partida e do regresso das caravelas e das naus, o rio do Império, símbolo e sinal da independência e da grandeza de Portugal; é o rio de Lisboa.
E Lisboa é uma cidade muito ligada à Zezinha: a cidade onde nasceu, a cidade onde estudou, a cidade onde nos conhecemos, onde casámos, onde nasceram os nossos filhos. A cidade para onde voltou e onde trabalhou e viveu quase toda a sua vida – salvo os tempos de África, do exílio e uma breve comissão de serviço em Madrid –; cidade onde soube do mal que tinha e onde vivemos essa última e dolorosa peregrinação; a cidade onde morreu.
Tinha aqui as suas raízes mas – como muitos portugueses – estava bem em qualquer lado do mundo porque estava bem com ela mesma.
A Zezinha foi uma mulher de valores constantes, de paixões lúcidas, de causas consequentes, numa vida atravessada vicissitudes mas guiada por linhas de rumo bem definidas.
Tinha uma concepção do mundo enraizada na crença e na vivência de um cristianismo de convicção e de prática. Uma fé vivida de uma forma generosa, aberta, livre, mais do Sermão da Montanha que dos Devocionários piedosos. Uma fé ortodoxa mas fresca e generosa, aberta e lúcida perante o mundo real. O que é “amar o próximo como a nós mesmos” senão pôr-nos na pele dos outros, percebê-los, senti-los, procurar saber por que são assim, sobretudo quando são diferentes, estranhos, inimigos, até? Não será essa a verdadeira lógica evangélica? Ela assim o pensava.
(...) 
Para ela a vivência cristã enquadrava o serviço da comunidade, ou das comunidades: primeiro do país, da pátria, de Portugal. Contavam para ela os valores políticos, da polis, da independência, da liberdade e da identidade nacional, porque sabia que todos os outros valores políticos – as liberdades, a justiça, os direitos das pessoas e das instituições, o primado das constituições e das leis –, só valiam, na sua existência, se a nação e a comunidade fossem livres. Por isso, para ela, o interesse nacional sempre passava à frente dos interesses das corporações, das empresas, dos grupos, dos partidos. Esses, todos estes, eram instrumentos, eram meios, para atingir fins, fins que eram determinados pelos princípios primeiros e os serviam.
(...)
Também esteve assim na política: desde o dia em que, aos 17 anos, furou sozinha uma greve académica, ao da partilha consciente e consequente da sorte dos vencidos no final do Império. E depois teve, a noção da mudança dos tempos, da urgência e importância do regresso, da volta à normalidade, da necessidade de participar na luta política também na forma canónica, normal, partidária, para servir os seus valores e ideais.
Devo dizê-lo, na condição de quem não entrou nessas batalhas, ou nessa forma alinhada de lutar por valores e causas, que ela foi para mim e para muitos o exemplo vivo de que se pode estar na acção político-partidária sem, necessariamente, se perder a alma, a coerência, ou o respeito próprio e dos outros.
(...)
Tudo isso implicou um modo e uma forma de estar e de viver. E também não é novidade para nenhum dos presentes que foi um modo generoso, livre e alegre, um modo que não tinha nada a ver com a solenidade conselheiral dos salvadores do povo, mas ainda menos com a banalidade desenvolta dos malabaristas que fazem da política uma sucessão de números, um espectáculo mirabolante e surpreendente, sempre a pensarem no próximo coelho a tirar da cartola, no próximo lenço a desfraldar na expectativa da apoteose ou consagração mediáticas.
Não. Também nisso ela foi diferente e nós, os que tivemos o privilégio de estar com ela, sabemos isso.
Finalmente e ainda sobre o seu modo de viver e estar nas coisas, o que mais me impressionou na Zezinha foi nunca a ter visto com medo – a não ser naquelas poucas vezes em que tivemos medo por alguém que nos era próximo e nos era querido. Ela, por ela, nunca a vi ter medo de coisa nenhuma: nem de passar fronteiras a salto, nem de chegar a lugares de exílio, nem da falta de dinheiro, nem de combates políticos desiguais. Nem sequer de humilhações ou derrotas.
E não lhe vi medo nenhum perante a morte. Pena sim, pena de deixar a vida, a família, os netos pequeninos, esta cidade, este rio, esta luz. Uma pena de uma pessoa viva e que gostava das coisas da vida.
Mas medo, não: nem da doença, nem dos tratamentos, nem da morte que espreitava mais ou menos garantida ao virar da esquina. (...)
Que este memorial sirva para a lembrar e a esse seu caminho como exemplo para nós e para os outros. É o que podemos hoje, pensando na perda, aqui desejar.
Lisboa, 27 de Maio 2014
(O texto integral, de Jaime Nogueira Pinto, pode ler-se aqui)

terça-feira, 27 de maio de 2014

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Num dia igual a tantos outros

 
http://www.youtube.com/watch?v=yU5-b9s0fcY

Trois allumettes une à une allumées dans la nuit 
La première pour voir ton visage tout entier 
La seconde pour voir tes yeux 
La dernière pour voir ta bouche 
Et l’obscurité toute entière pour me rappeler tout cela 
En te serrant dans mes bras.
                                 
                                    (Jacques Prévert)

 Há os dias que importam, os que se esperam no desassossego alvoroçado da antecipação; e há também os outros, os que os antecedem, ou se lhes sucedem, os que parecem não levar a lugar nenhum e apenas se vivem na serenidade lógica do tempo que passa.
Era em dias assim, de maior vulnerabilidade que nem chegava a ser tristeza, que tantas vezes se virava para dentro e lhe sentia a falta, na certeza de que um abraço bastava.
E, mesmo sabendo que o amor é presença e ausência, ir e voltar, ficar e deixar partir, mesmo aceitando com genuíno e natural desprendimento essa dádiva que é ao mesmo tempo a mais difícil e a mais bonita de todas as coisas da vida, sabia que não havia olhos onde repousasse melhor, nem boca mais perfeita, nem nada que valesse o seu toque, no calor daquele abraço feito de abandono, de afecto e de intimidade, e na crença de que a sua companhia lhe trazia o céu e a felicidade.
Então deixava que o desejo lhe rebentasse pele fora a extravasar o corpo e a vontade; e punha-se a querê-lo imoderadamente, rendida à intensidade dos amores excepcionais e desmedidos, que não têm como nem porquê, e diante dos quais o melhor é entregar-se. 

 (Fotografia de Maria Cristina Guerra)

sábado, 24 de maio de 2014

Invasão Espanhola

 
Hoje, as ruas de Lisboa encheram-se de espanhóis,  que se viam e ouviam  por todo o lado  na sua ruidosa maneira de se expressar e com aquele ar satisfeito de quem vive sempre mais ou menos em festa. Nós somos diferentes, mais melancólicos, fatalistas e queixosos, mas no fundo temos muito mais em comum do que imaginamos ou aparentamos.
Sinto-me bem em Espanha, no meio dos espanhóis, talvez porque me identifico com o espírito positivo que os caracteriza. E, por isso, costumo dizer que há uma parte da minha alma que é espanhola também.
A esta hora ainda não se sabe quem ganha, nem é isso que importa. O futebol não me interessa nada, já se sabe, mas gosto de Espanha e do seu povo de temperamento alegre e extrovertido, sempre disposto a comemorar alguma coisa.
Daqui a quinze dias, assim o espero, voltaremos a encontrar-nos; mas dessa vez  será do lado de lá de fronteira, em clima de celebração superlativa e (re)encontro de amigos, naqueles dias mágicos e quase irreais em que todos os caminhos nos levam até junto da Blanca Paloma, na Aldea del Rocío.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Eleições europeias

 
Como acontece com a maioria dos portugueses, esta campanha passou-me ao lado. Talvez por cansaço ou desilusão, talvez por não se centrar no que verdadeiramente está aqui em jogo e se perder pelas intrigas e mediocridades da "pequena política".
E, no entanto, embora respeitando quem toma essa opção, não posso entender nem concordar com a abstenção. Porque ela me parece reveladora da atitude tão tipicamente portuguesa e para mim quase condenável de encolher os ombros e não querer saber; e esperar depois que alguém venha resolver (milagrosamente, de preferência) aquilo que nos diz respeito. E que não deixaremos nunca de criticar.
Não consigo ver a abstenção como um protesto, uma discordância face a todas as propostas apresentadas. Nessa situação entendo ser bem mais lógico o voto branco, ou nulo. Nunca o faria, mas acho que é uma tomada de posição muito mais coerente.
É que eu posso não concordar com tudo (como a posição assumida pelo meu partido quanto ao Acordo Ortográfico, por exemplo, ou tantas outras coisas), mas sei o que não quero e aquilo em que acredito.
A mim também me tem custado na pele e na vida passar por isto que estamos a passar. Não percebo nada de economia e não sei se as soluções encontradas foram as melhores, mas sei que não quero voltar atrás.
E, por isso, apesar das dificuldades, das dúvidas e mesmo da insatisfação perante os anos difíceis que passamos, pelo que a dependência externa nos forçou a fazer, para recuperar um país à beira da bancarrota de que falava Paulo Portas, eu acho que no Domingo tenho mesmo que ir votar. E vou!

terça-feira, 20 de maio de 2014

Equilíbrio e perfeição


Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

segunda-feira, 19 de maio de 2014

O que eu leio por aí...

 
Não o escondo: são poucos, muito poucos, os "meus blogues". Porque nisto, como em tantas outras coisas, prefiro a qualidade. Por isso, muito do que existe no mundo virtual me passa ao lado. E ainda bem. Nada de "pipocas", nem de "cócós", portanto. É que, mesmo correndo o risco de perder coisas muito boas, prefiro limitar-me ao que me interessa e tem para mim significado, aquilo com que me identifico ou deleito, o que me emociona e faz pensar, umas vezes concordando e outras não.
Há os blogues que me encantam e me fazem sentir bem, pelos quais passo todos os dias, e de que me aproprio até, em parte, e guardo comigo, e "trago para casa", replicando-os tantas vezes por aqui: é o caso das fotografias do Paulo e do mfc, na comoção do que despertam em mim, ou dos textos do Pedro, do Adolfo, da Helena, quando conseguem pôr em palavras o que eu sinto e não sei dizer assim. 
Hoje, encontrei no Delito de Opinião mais um texto que me tocou. 
É este: 
Elogio da solidão 

por Rui Herbon, em 18.05.14 
Neste mundo obsessivamente interconectado, onde é mais fácil comunicar com alguém em Tombuctu que falar com o vizinho do lado, o mais difícil de tudo é comunicar consigo mesmo. Schopenhauer colocava-o assim: «A solidão é a sorte de todos os grandes espíritos». Mas, mais que sorte, é uma aprendizagem, uma auto-exigência e, talvez, uma valentia. No fundo não estranho que tenhamos pânico da solidão, como o temos também do silêncio, porque ambos nos resgatam do ruído quotidiano, desmontam os subterfúgios que pacientemente havíamos construído, e devolvem-nos sem piedade ao essencial. Inclusive incitam-nos a fazer perguntas. E nestes tempo onde o surfing da vida triunfa em todos os aspectos — comida rápida, relações rápidas, conversas rápidas —, a ideia de estar só consigo é quase revolucionária. Falo evidentemente da solidão criativa, escolhida e procurada entre o ruído quotidiano. A outra, a daquelas pessoas que ficaram sós, amiúde em idades avançadas, é outra história. Nesse caso não se trata de uma respiração que insufla a alma, mas de viver com a sensação de abandono. O que, estranhamente, é uma consequência mais desta sociedade de tanta gente junta e ligada que contudo está a perder a capacidade de falar. Este tipo de solidão, sem dúvida nenhuma, não tem nada de criativo e tem tudo de doloroso. Mas a outra solidão, a que é capaz de conviver e construir caminhos partilhados, que não está vazia de gente, mas muito cheia, que não foge, mas que busca e encontra, essa solidão devia ser uma reivindicação diária, uma auto-exigência, um prazer concedido. Pouco a pouco vamos perdendo essa capacidade de recolher-nos em nós, seja para ler um livro ou ouvir um disco, ou simplesmente para observar a vida. E perdemo-la porque é mais fácil vivermos rodeados de ruído humano, ainda que tenhamos esquecido a gramática para entender a linguagem. No fundo creio que somos uma sociedade assustada e frágil, e que preferimos colocar-nos apenas as perguntas certas para não vislumbrarmos o abismo interior pelo qual derrapamos. Por isso educar é também ensinar a parar o tempo, despojar-se dos disfarces, ficar só com as próprias interrogações e aprender a gostar de si. Essa solidão conquistada é, no fundo, a conquista de si mesmo

Detenho-me na última frase. E porque hoje começam os exames, e porque ultimamente tenho pensado ainda mais em educação e no que importa fazer para ir mudando tanto que há nela de errado, acho que é primordial insistir no que defendo há muito: menos tecnologias e aquela expressão que eu detesto do "saber fazer" e centrarmo-nos, sobretudo, em ensinar a pensar. Porque quem sabe pensar, saberá fazer. O contrário é que pode não ser verdade. E só assim a escola cumprirá o seu papel essencial: o de ensinar a questionar(se). 

Nota: O sublinhado do texto é da minha inteira responsabilidade. 

(Fotografia de mfc, do blogue Pé-de-Meia)

Um lugar especial

 
http://www.youtube.com/watch?v=DLKNvh5Fh3I

Sempre que a olho assim, vista de cima,  sinuosa e imensa, magnífica de esplendor, graça e luz, emudeço e emociono-me. E sinto-me abençoada por a saber minha; e por fazer parte dela, também.
Há sítios que têm uma magia ímpar, uma aura qualquer que nos agarra e ampara,  onde podemos alcançar uma doce tranquilidade e o coração se nos pacifica e sossega.
Este é um daqueles lugares feéricos e com alma, a meio caminho entre a terra e o céu, em que tantas vezes procurei refúgio, silêncio e paz, ou me encontrei comigo para pensar e decidir, fazer balanços e projectos, tomar pequenas e grandes resoluções, ponderar, fantasiar, chorar, acalmar. Outras vezes,  muitas outras, quase todas, deixei simplesmente os olhos tomar conta de tudo e  rendi-me, contemplativa, sem pensar em nada.
É que, do alto do meu miradouro, Lisboa é ainda mais bonita...

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Amores...


 
Entrego-me nos seus braços com a mesma confiança com que regresso ao colo de um amor antigo, no encanto apaixonado do que já conheço e me seduz,  enamora, entontece, e na exaltação emocionada do que me falta descobrir.
Porque há amores assim: infindáveis, grandiosos, requintados, românticos, diferentes, irredutíveis às palavras, avessos a definições, que apenas se podem sentir. E que valem a vida inteira. Como Paris. Como tu...


quarta-feira, 14 de maio de 2014

A febre clubística


Não gosto de futebol e, sinceramente, é um assunto que não me interessa nem um bocadinho. Mas é claro que consigo perceber, aceitar e respeitar que possa gostar-se e ser-se adepto de um clube qualquer, seguir os jogos e vibrar com eles, alegrar-se com as vitórias, ou decepcionar-se com as derrotas.
O que já não consigo entender é essa espécie de febre que parece atingir cada vez mais pessoas, e todos os excessos que lhe estão associados e que, para mim, são exagerados e ridículos. Primários, até...
Será, provavelmente, uma incapacidade minha, mas não consigo de todo compreender que quem se queixa da crise - e quem não o faz? - se disponha a pagar até cento e cinquenta euros por um bilhete para assistir a um jogo "se for preciso", como ouvi alguém dizer outro dia, nem as noites passadas à porta de um estádio para comprar bilhetes, os gritos e apitos que enchem o Marquês, ou o patriotismo exacerbado, que apenas se revela nestas ocasiões.
Não encontro sentido para todas as guerrinhas, nem para os negócios, os "chiliques" e, menos ainda, a intolerância, os insultos e as agressões que surgem em nome deste ou daquele clube.
Faz-me confusão o orgulho nacional desproporcionado de ter um Cristiano Ronaldo, que terá sem dúvida o seu valor, mas é também um bom exemplo de arrogância e de um ego gigantesco, hiperbolizado, quando ninguém fala no privilégio de ter um actor português com a genialidade de Diogo Infante, ou um escritor tão brilhante como Camões, por exemplo.
A mim, tanto se me dá quem ganhe. Sendo português, ou não. Lamento, mas o meu patriotismo passa pouco pelo desporto e muito menos pelas taças e títulos conseguidos.
Na verdade, há muitas coisas capazes de me fazerem sentir feliz, mas o futebol não é definitivamente uma delas; e, por isso, não partilho esta "histeria colectiva" que me parece, assim vista de fora, despertar o lado mais irracional, absurdo e disparatado, para não dizer pior, que há nas pessoas.

terça-feira, 13 de maio de 2014

O milagre da vida e outras perplexidades

 
É uma mania como outra qualquer, mas começo sempre a ler o jornal ao contrário. E hoje, uma pequena notícia na última página, muito simples, emocionou-me quase até às lágrimas. 
A história, real, é esta:

Gémeas nascem de mãos dadas após gravidez de risco 
Os médicos de um hospital de Ohio, nos EUA, emocionaram-se após o nascimento prematuro de gémeas, que chegaram ao mundo de mãos dadas. A mãe, de 32 anos, teve uma gravidez de risco, pois as bebés dividiram o saco amniótico e a placenta, algo que só acontece uma vez em cada dez mil partos

Como saber disto sem nos comovermos? Como não pensar no que há de mais maravilhosamente ternurento e inexplicável na simplicidade da vida? 
E depois, na outra ponta do jornal, a sua antítese: a fotografia arrepiante das 223 meninas nigerianas raptadas e sequestradas, arrancadas às suas casas, à sua vida e à sua infância.
E pensei que o que há nelas de comum é que, provavelmente, em pleno terror do que estão a viver, no desepero pela sobrevivência, muitas delas também se darão as mãos.

Então, nem sei porquê, lembrei-me de repente daquelas palavras de Sophia que tanto marcaram a minha adolescência: "vemos, ouvimos e lemos / não podemos ignorar..."
É que, num mundo cada vez mais marcado pelo individualismo, vamos olhando muito pouco à nossa volta, e deixando que quase tudo o que não tem a ver connosco nos seja mais ou menos indiferente.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Lusco-fusco

 
no obscuro desejo,
no incerto silêncio,
nos vagares repetidos,
na súbita canção

que nasce como a sombra
do dia agonizante,
quando empalidece
o exterior das coisas,

e quando não se sabe
se por dentro adormecem
ou vacilam, e quando
se prefere não chegar

a sabê-lo, a não ser,
pressentindo-as, ainda
um momento, na aresta
indizível do lusco-fusco.

                            Vasco Graça Moura
Os franceses chamam "entre chien et loup" a esses instantes de contornos indistintos, em que o dia se faz noite e tudo parece suspenso na incerteza do que está por vir, e apenas há  pressentimento, desejo, inquietação  e quietude, na doce melancolia do entardecer.
(Fotografia de Maria Cristina Guerra)

domingo, 11 de maio de 2014

As tuas mãos, as nossas tardes

 
http://www.youtube.com/watch?v=FsG67OOUG8k

As nossas tardes são às vezes a melhor parte dos meus dias, feitas de instantes perfeitos a saber a eternidade, nas horas dos abraços sem pressa, em que deixa de haver mundo porque o mundo todo és tu; e te encostas a mim em abandono, e com beijos lentos te entrego o meu corpo e eu inteira nele, e as tuas mãos grandes me arrepiam a pele, que percorrem devagar, a sufocar o incêndio do que provocam em mim.
Então não somos mais que sensações, e sonhos e esperanças, e carícias e prazer, numa dança louca e linda de quem se conhece de cor e se (re)descobre e encanta na simplicidade do que só se sente, sem palavras nem explicações, sem antes nem depois, sem ontem ou amanhã; do que apenas se vive no silêncio emocionado de um colo grande e bom.

sábado, 10 de maio de 2014

Sonhar com o Rocío


E quando chega Maio é sempre assim: há esta inexplicável magia que só quem já alguma vez viveu a Romería pode conhecer pelo lado de dentro da emoção. Não se consegue evitar. Nestes dias, todos os caminhos e todos os pensamentos nos querem levar até ao Rocío, manifestação de fé e explosão de vida, força e alegria, experiência única que vale a existência inteira e deixa marcas para sempre. O Rocío é um daqueles lugares verdadeiramente especiais que se nos agarram ao peito e à pele, que se fazem nossos para sempre, e onde se quer, a cada ano, voltar.

  

quinta-feira, 8 de maio de 2014

As dores da alma


Psicodrama

por Teresa Ribeiro, em 07.05.14

Este título é todo um tratado. Lilly Allen "admite" que vai ao psicólogo. Se fosse ao dentista não teria de "admitir", bastaria ir. Aliás, se fosse ao dentista, ou ao ginecologista, ou otorrinolaringologista e por aí fora não era notícia. Ir ao psicólogo, apesar de a depressão já ter sido considerada a doença do século, ir ao psicólogo, apesar de se saber que se vendem milhões de ansiolíticos e anti-depressivos, ir ao psicólogo é um embaraço. Cuidar de qualquer parte do corpo é natural. Presume-se que o corpo precisa de cuidados, por isso vigiá-lo revela-se até uma atitude saudável. Já admitir que psicologicamente nem sempre tudo está bem, só se deve fazê-lo em tese. Os media, de tanto falarem no assunto até tornaram essa ideia consensual, mas uma coisa é fazer conversa de salão e outra é dizer que se vai ao psicólogo. No mínimo está a confessar-se uma debilidade, no máximo uma disfunção. Nos tempos em que tudo se revela na Internet, incluindo as partes pudibundas do corpinho e o que se faz com ele nos tempos livres, só não se pode mostrar as fragilidades da alma.


(Este é mais um magnífico texto "roubado" ao Delito de Opinião, que me tocou de forma especial. Mais que isso: foi mesmo uma espécie de "murro no estômago". Porque ele é a revelação impiedosa da nossa maneira quadrada, retrógrada e preconceituosa, quase cínica, de nos situarmos num mundo que vive muito de aparências. Não me excluo. Até eu, que há anos já estive mesmo à beirinha de uma depressão, não sou nada dada a "psicologias" e tendo a olhar as pessoas dessa área com uma certa desconfiança, que não evita aquele pensamento típico do "lá estão estes com a mania que percebem os outros"...)

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Dois anos depois

Quando, naquela segunda-feira chuvosa de há dois anos, depois de ler o Fio de Prumo, pensei: e se eu também tivesse um blog? - e, tal como sempre faço quando se me mete alguma coisa na cabeça, comecei logo a tratar disso, fazendo numerosas e desajeitadas experiências para ver como poderia lá chegar sem perguntar nada a ninguém, - estava muito longe de imaginar o que me esperava.
Ao fim da manhã ganhou vida. Chamei-lhe simplesmente Isto e Aquilo, ainda na incerteza desse mundo novo que se abria então diante de mim. E assim ficou...
Não foi pensado, mas tinha que ser num dia sete, que é o meu número fétiche e é também , num outro mês, é certo, o dia em que eu nasci.
Dois anos e 462 posts depois,  Isto e Aquilo pertence-me, faz parte da minha vida e funde-se comigo, num certo sentido. Entrego-lhe o que me vai na alma, sem preocupações de pensar que me exponho, ou no que vai pensar quem o vier a ler, que eu nunca sei quem é.
Na verdade, há hoje entre nós uma espécie de intimidade, que é já um caso sério. Mesmo se às vezes não lhe dedico tanto tempo e atenção quanto gostaria. Mesmo se ainda não é raro tropeçar nas minhas famosas azelhices tecnológicas, que me obrigam a recorrer aos "especialistas", que são aqueles amigos muito queridos, sempre dispostos a ajudar-me no que for preciso: tornar o blog mais bonito, encontrar um post perdido, redefinir uma página que eu virei do avesso sem saber como, ou seja o que for.
Quando me comparo com o que vou lendo por aí, e encontro coisas fantásticas, textos magníficos e gente que anda nisto há dez, quinze anos, e já fez cinco mil posts, por exemplo, sinto sempre que ainda estou no início. Mas não importa. Não tenho nenhum tipo de pretensão, nem de meta.
O meu blog é muito eu e a minha forma de ver o mundo. Porque mesmo os que dizem que o que escrevem não é autobigráfico, em sentido estrito, esquecem que há sempre muito de cada um de nós que se revela na nossa escrita; e que ela é sempre, de certa forma, fruto da nossa experiência.
Às vezes, confesso, sinto que ponho a alma demasiado a nu, mas isso não me incomoda verdadeiramente, porque com o tempo se perde algum pudor e se vai ficando também menos vulnerável aos olhares, pensamentos e opiniões alheios, sobretudo de quem não conhecemos, ou não nos importa.
Passados estes dois anos estou muito satisfeita de me ter metido na aventura da blogosfera, que é como eu a sinto; e faço dela um balanço muito positivo. Porque o que ganhei foi incomensuravelmente maior do que o que possa ter perdido. Houve bom e mau, como em tudo, mas descobri um lado de mim que andava meio adormecido e um mundo desmedido e fascinante, cheio de mistérios e segredos, onde já fiz amigos e criei afectos, laços, cumplicidades inimagináveis, onde tenho aprendido muito sobre o mundo e os outros, e até sobre mim mesma, porque me obriga tantas vezes a descer ao mais fundo do que sinto, penso, sei e sou; e me sinto, por isso, muito mais rica de tudo o que mais importa - saber, experiência e afectos.
Como me disseram um dia, um blog é como a nossa casa: é o que eu quiser que ele seja, uma janela aberta para o mundo e a alegria da vida partilhada. Não é só o que se escreve; é também o que se lê e o que tudo isso nos faz pensar.
Há, pois, muitas pessoas a quem teria que agradecer por tanto que me têm dado. E no entanto não as nomeio, porque elas sabem quem são; e porque é sempre bom saber, simplesmente, que há quem esteja do lado de lá das palavras. E eu sei, não sabendo, que há também quem esteja em silêncio, que é outra forma de estar.
Hoje é dia de festa! Estão todos convidados... É que eu gosto mesmo disto; e enquanto gostar...

segunda-feira, 5 de maio de 2014

E, de novo, a rotina...

 
Acabam as férias e volta tudo ao mesmo: o dia todo sentada à frente do computador, o sol  que fica apenas para lá da enorme janela à minha direita e o movimento da Praça lá em baixo, onde às vezes distraio o olhar, ou me concentro em mil e um pensamentos sobre as mais diversas coisas.
Horários, correrias, telefones, mails, vozes, recursos, processos, casos mais ou menos complicados para analisar, opinar, decidir, e pedaços de vidas que me chegam em papel, fragmentadas, que escondem dramas imensos e quotidianos difíceis de viver, e me deixam por vezes a sensação meio amarga, que é quase frustração, de pensar que a solução encontrada é apenas a possível e não resolve absolutamente nada.
Agora são mais três meses assim e depois chega Setembro. E, então, é outra vez a altura de mudar de vida...

Flores para a mãe



 Quando eu era pequena, passava nos jardins e lembrava-me muitas vezes de apanhar flores para levar à minha mãe. E fazia ramos maiores e mais pequenos destas pequenas flores brancas ou amarelas, que surgem no meio da relva, tão espontâneas como o nosso amor, na sua genuína simplicidade. Lembro-me de as apanhar, por exemplo,  no regresso da escola, no Jardim da Casa da Moeda. E de lhas entregar como quem entrega um troféu, contentando-me com o seu sorriso de felicidade que, ainda hoje, tanta alegria me dá.
Como o melhor momento do dia de ontem: os beijinhos que me deu nos ombros, porque gosta do tom do meu bronzeado. Sempre foi assim entre nós. Desde o colo de onde conheci o mundo, que é a minha memória mais antiga, o nosso entendimento faz-se também, ou até sobretudo, de gestos, de risos e de silêncios, no que fica antes e depois das palavras, ou para além delas.

sábado, 3 de maio de 2014

Rui Mário Gonçalves

 
É uma manhã soalheira de um Sábado de Primavera que parece anunciar já o Verão. Um daqueles dias em que nem importa levantar cedo, se acorda em perfeita disposição e quando se chega à rua, a luz é tão intensa que quase nos cega.
Daí a nada, abro o jornal, que folheio devagar,  de trás para a frente como de costume, e leio a notícia: Rui Mário Gonçalves morreu ontem, na sequência de um ataque cardíaco.
Mal posso acreditar. Rui Mário Gonçalves era uma daquelas pessoas que me parecia que não  haveria de morrer nunca, por mais irracional que fosse este pensamento. Depois de Maria Alzira Seixo foi o melhor professor que tive na Faculdade de Letras, quando em muito boa hora não escolhi a mesma opção que a maior parte das pessoas, os que faziam "Neerlandês" para ter boa nota sem muito trabalho, e me pareceu que deveria escolher qualquer coisa que representasse uma aprendizagem significativa. E por isso escolhi "Literatura e Artes Plásticas". Nunca me arrependi. As aulas do Rui Mário Gonçalves foram absolutamente marcantes, a ponto de ainda agora me lembrar delas muito bem, apesar de terem sido nos anos 80 (há tanto tempo, já!).
Lembro-me da voz simultaneamente calma e entusiasmada com que nos falava, de como nos ensinava a olhar, do modo pormenorizado como nos fez ver "Guernica" e de tantas outras coisas que me abriram um mundo novo, até aí quase totalmente desconhecido. Hoje posso dizer que o pouco que sei de artes plásticas e o interesse que a arte desperta em mim é, em grande parte, a ele que o devo.
Depois de ter sido sua aluna, não voltei a ter qualquer contacto com ele, mas encontrava-o muitas vezes, nos mais diversos sítios, e comentava muitas vezes com o meu círculo mais próximo, e com quem também o conhecia, o facto de estar tão "bem conservado" e se manter quase igual, como se o tempo não passasse por ele. Tinha acima de tudo o ar de estar sempre contente, como aquelas raras pessoas que parece que nunca se zangam, ou aborrecem. E que sorriem sempre muito.
Ainda há cerca de um mês, na visita à "Casa da Achada", se falou tanto nele... E hoje esta triste notícia. Mais uma. Ultimamente dir-se-ia que o mundo se está à desmoronar à minha volta: em pouco tempo desapareceram Moustaki, Paco de Lucía, Gabriel García Marquez, Vasco Graça Moura e agora Rui Mário Gonçalves. Fica-me uma sensação de desamparo, como tive pela primeira vez quando morreu o meu pai: a de que a vida nos vai empurrando, e que somos cada vez mais nós, os da minha geração, a ficar na linha da frente.
Rui Mário Gonçalves representa na minha vida tudo aquilo que eu acho que um "mestre" deve ser. Transmitiu-me, entre muitas outras coisas, a alegria e o prazer do conhecimento, tão vasto e abrangente quanto possível. E isso ficará sempre comigo.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Prazer(es)

 
Havia dias em que o seu maior prazer era soltar o cabelo no vento e deixar a vida correr, escapar-se para um lugar onde tudo lhe parecesse quase perfeito e em silêncio e sossego  exultar alegrias e apagar as tristezas, reinventando cada instante como se a vida fosse começar de novo. 
Havia dias luminosos e quentes em que diante da tranquilidade azul do horizonte se punha imaginar e a adivinhar o que lhe faltava ver e mesmo conhecer pelo direito e pelo avesso, e não era ainda mais que desejo e vontade. Às vezes sabia-lhe bem a solidão, alimentada pela sua fantasia, que a levava por caminhos de utopias e quimeras, contemplativamente alheada de tudo.
Havia qualquer coisa de puramente físico, voluptuoso até, naquela sensação boa de deitar o corpo molhado e impudicamente o entregar ao sol, deixando o calor invadir-lhe  a pele  devagar, levando-lhe o pensamento para longe do que no mundo real tantas vezes o  limita e detém.
E olhava tudo com os olhos da alma,  achava que podia ver tudo por fora e por dentro, que conseguia ver mais além, chegar ao interior das coisas e das pessoas, descobrir-lhes os mistérios e os segredos, fechados a sete chaves no âmago mais recôndito de cada um, naquela zona secreta e obscura que não se confessa nem revela a ninguém.
Olhava o mundo e a vida como se lhes pertencesse e pudesse ao mesmo tempo observá-los de fora, no espanto e na surpresa que tem a primeira vez, como um paixão que nos toma de assalto e nos deixa na ilusão do que virá, e naquele aperto no peito que é amor e mais nada.
E parecia-lhe chegar assim  a um mundo mais quieto e mais tranquilo, sem medos nem incertezas, nem desejos que não chegam a cumprir-se, ou promessas de felicidade adiadas.
Guardava a paz daqueles momentos para poder ir buscá-la e usá-la mais tarde, num dia qualquer, quando por  alguma contrariedade da vida, lhe fizesse falta.
Era como uma luz; como  um bálsamo que alivia as mágoas e faz entender que o mundo e a vida são acima de tudo grandes e belos; como o calor  e o conforto de um abraço que conhecia de cor e a fazia ver tudo começar a andar à roda; ou como quando ele a olhava no fundo nos olhos e se lhe desatavam vontades, e logo se esquecia do resto e mais nada importava, porque então era apenas, simples e inteiramente, sua.

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Un brin de Muguet

 
Em França, no primeiro dia do mês de Maio, há o costume de se oferecer um pequeno raminho de "muguet", como símbolo do desejo de felicidade.
Sinceramente, não faço ideia de como se diz "muguet" em português. Mas também não importa...
Sobre a origem desta tradição há inúmeros mitos e lendas. Conta-se, por exemplo, que foi Apolo que criou o "muguet" para oferecer um tapete perfumado às suas nove ninfas, por onde pudessem caminhar suavemente, de pés nus. Ou que foi Charles IX, filho de Catherine de Médicis, que numa visita à região de Drôme, no primeiro dia de Maio de 1560, foi surpreendido com essa oferta, usual no campo, na época do Renascimento, como forma de festejar o regresso da Primavera e a abundância da natureza e esquecer as dificuldades do Inverno, tendo decidido no ano seguinte fazer o mesmo na corte. O hábito começou então a repetir-se e divulgar-se, estendendo-se depois ao resto do país.
Seja como for, há qualquer coisa de poético, simultaneamente simples e belo, no acto de oferecer esta pequena e discreta flor de perfume suave, e acreditar que os dias que aí vêm podem ser melhores.
Por isso, e imaginando que estamos em França, porque as boas práticas e os gestos generosos devem ser reproduzidos e multiplicados, aqui fica, para todos os que por aqui passam (com um especial destaque para a Helena, para quem este dia é ainda mais especial), o meu brin de muguet, na esperança de que sejam todos sempre muito felizes.