terça-feira, 5 de julho de 2016

O grande equívoco


Depois de ver, ler, corrigir cinquenta exames de 12º ano, volta impressionar-me o estado confrangedor a que chegou o ensino e a aprendizagem do Português. E repito aquilo que sempre me pareceu ser o essencial: é na leitura e na escrita que se tem que insistir. Muito. E esquecer tudo o que é acessório, pouco útil e que, estranhamente, ocupa hoje um lugar demasiado central. Que importa, pois, "o adjectivo relacional", "o polissíndeto" e as "coordenadas assindéticas", se não se consegue falar sobre um texto que se leu sem o parafrasear, se não se sabe utilizar a pontuação, desenvolver um tema, defender um ponto de vista, estruturar um texto sem os chavões habituais, onde não faltam o "por outro lado" e o "em suma".
Deviam os professores de Português reflectir longamente sobre isto, mudar de paradigma, e entender de uma vez por todas que a gramática só interessa na medida em que nos permite compreende melhor o modo como a língua funciona e por isso utilizá-la com maior correcção e clareza, que o gosto da leitura não se desenvolve com a obrigatoriedade de ler dois livros por mês e com testes de "verificação da leitura", ou que escrever é muito mais que desenvolver estratégias de sobreviver a um exame. Assim, não vamos longe...

Si je lis avec plaisir cette phrase, cette histoire ou ce mot, c'est qu'ils ont été écrits dans le plaisir (...)  Mais le contraire ? Ecrire dans le plaisir m'assure-t-il - moi, écrivain - du plaisir de mon lecteur ? Nullement. Ce lecteur, il faut que je le cherche, (que je le "drague"). (...)  Un espace de la jouissance est alors créé. Ce n'est pas la "personne" de l'autre qui m'est nécessaire, c'est l'espace : la possibilité d'une dialectique du désir, d'une imprévision de la jouissance : que les jeux ne soient pas faits, qu'il y ait un jeu.

(Roland Barthes, Le plaisir du texte)

2 comentários:

  1. A gramática, "coisa" um tanto árida, dificilmente fará despertar o prazer la leitura.

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    1. O problema é insistir-se excessivamente na gramática, Luísa, que hoje não é nada daquilo que nós aprendemos mas uma terminologia ridiculamente complexa, que só se justifica entre especialistas. Obrigar um aluno a dizer que uma oração é "subordinada adjectiva relativa explicativa", por exemplo ou falar em modalidades epistémicas e deônticas só serve para afastar os alunos do que realmente importa, que é ler e escrever. E ter prazer nisso, já agora. Mas quase ninguém parece importar-se. Falta espírito crítico no ensino...

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