sábado, 12 de novembro de 2016

Leonard Cohen: leaning out for love


Leonard Cohen, com Moustaki, com Simon e Garfunkel, foi quem embalou a minha mais remota adolescência e continuou a acompanhar-me para além dela. Naquele tempo, sozinhos ou em grupo, acreditávamos que poderíamos mudar o mundo e cantávamos com fervor Suzanne ou So long Marianne, com o coração aos saltos e a cabeça a rebentar de sonhos, de projectos de felicidade, de utopias.
Depois, foi o tempo de dançar "to the end of love" vivendo os risos e as lágrimas de amores felizes e infelizes. Fui vê-lo e ouvi-lo ao vivo, em Cascais, há uns trinta anos, talvez, num pavilhão que já nem existe.
E, para onde quer que fosse, para lá de todas as circunstâncias, havia sempre aquela voz rouca e pausada, aquela melancolia que era também sentimento, e ironia, e emoção, a acompanhar-me os dias.
Quando vemos desaparecer os que amamos parece-nos que o mundo se desmorona à nossa volta. Fica-nos o desamparo da sua ausência e a estranha sensação de que a vida nos vai empurrando para a frente e que, também para nós, o fim se vai aproximando.
A um amigo que se vai embora, o que se diz? Na impossibilidade de encontrar as palavras certas, peço emprestadas as de Miguel Esteves Cardoso, que é capaz de dizer melhor que eu o que também sinto:
(...) Deixaste-nos. Avisaste muitas vezes que nos ias deixar. Deixar tornou-se a tua especialidade. Ninguém se despedia tão bem como tu. Ninguém dava à sola tão depressa como tu, tão bem vestido, com sapatos feitos para percorrer as grandes distâncias do amor e da vida. (...) Uma pessoa tem de morrer. E até a morrer foste um senhor. Pouco antes de morrer - sabemos agora . percorreste o mundo para cantar as tuas canções a quem quisesse ver-te e cantá-las. E melhor do que em qualquer outra altura da tua vida. Tu foste daqueles que melhoram à medida que se aproximam da morte. Aproximaste-te devagarinho, sem ser a medo, como se a morte fosse a última mulher. Cantaste-lhe a canção do bandido - nunca ninguém será capaz de cantá-la melhor que tu - a ver se ela ia na tua cantiga. Deitaste-te com ela na esperança que ela te esquecesse. And yet, e no entanto (aqui sinto-te a sorrir) ela deu cabo de ti à mesma.
Toda a vida dançaste com Deus e com a morte - às vezes eram mulheres, outras vezes professores - e algumas dessas vezes acabaram como canções, divinas de amor e de vida, escritas por  quem conheceu a alegria e a tristeza de amar e viver e viver e amar.
Morreste, Leonard Cohen, e no entanto, continuas vivíssimo para quem já morreu. Hoje de manhã, quando ouvi You want it darker, como faço todas as manhãs desde que saiu o álbum, pensei que ia chorar, por ser a primeira vez que o ouvi sabendo que estavas morto. Mas não chorei. As canções fizeram o que sempre fizeram: encheram-me de força, abriram-me ao medo e à beleza de estar vivo. 

 

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